Espíritas
“ortomísticos” é, obviamente, um neologismo que criei para designar os
espíritas que, mesmo não sendo místicos ou religiosos, agem de forma religiosa.
E por agir de forma religiosa não me refiro à religiosidade ou seja, com o
respeito que se deve ter pelo espiritismo, mas à maneira quase mística com que
encaram certos aspectos da doutrina e do próprio codificador.
E
vemos que eles existem, a começar por tratarem a Kardec como se fosse ele o
detentor das verdades já ditas e a serem ditas no futuro, no que concerne a
doutrina dos espíritos ou seja, o tratam como se ele fosse dotado de uma “infalibilidade
espírita”. Reclamam, com razão, do endeusamento que fazem de Chico Xavier e de
seus “Blue Caps” (Emmanuel e André Luiz), mas erram no mesmo ponto ao
endeusarem Kardec que, embora fosse muito bom intelectualmente e tivesse um
extremado bom-senso e passasse tudo pelo crivo da lógica e da razão (sem contar
o concurso de diversos espíritos na tarefa), não era infalível e era
condicionado às condições e costumes culturais e históricas de uma época, o
século XIX.
Não falo nem de erros, eu diria menores, de Kardec, como
a TEORIA DA BELEZA ou como a TEORIA DA GERAÇÃO ESPONTANEA, mas sim de alguns
erros ou pelo menos de algumas não verdades no bojo da codificação, tidas como
verdades incontestáveis pelos espíritas de um modo geral.
Mas,
antes analisemos esses dois erros menores de Kardec, que não entraram no bojo
da doutrina, pois Kardec teve o cuidado de publicá-los em um livro de ENSAIOS
(A Revue) assim como em escritos pessoais (que mais tarde seriam publicados em
Obras Póstumas) e não nas obras básicas. O codificador toca no problema da "geração
espontânea", que era a "coqueluche" dos sábios da época,
pelo menos na área biológica. A interrogação que se faziam os biólogos era :
como surgira o primeiro ser vivo, sem o concurso dos "gens" paterno e
materno? Em outras palavras: era possível advir-se a Vida sem pai nem
mãe?
Duas
correntes existiam para explicar: uma, partidária da geração espontâneas
afirmando que sim. A outra, defendendo a teoria de uma união de materiais
inorgânicos inicialmente, e posterior descendência obrigatória desse ser vivo pré-existente.
Embora
incompleta, esta última teoria e a mais correta. No entanto, Kardec, neste
ponto, apóia a primeira teoria, embora o faça veladamente, mas de uma maneira
plenamente perceptível. São suas as afirmações:
"Se
o musgo, o líquen, o zoófito, os infusórios, os vermes intestinais podem se
produzir por geração espontânea, por que o mesmo não seria possível com as
árvores, os peixes, cães e cavalos?"
Naturalmente
como homem de ciência que era, e plenamente consciente de que poderia estar incorrendo
em erro, deixou em aberto a questão, mas não sugeriu uma segunda hipótese, o
que vem confirmar a sua simpatia pela teoria da geração espontânea. Isso fica
bem claro na afirmação de Kardec no final dessa parte: "A teoria da
geração espontânea é uma hipótese não definitiva, mas provável, e que um dia
talvez venha a ocupar par lugar entre as verdades reconhecidas. "
Acontece
que não ocupou. A teoria da geração espontânea, bem como a do "princípio
vital", caíram por terra muito mais cedo do que se esperava. Pasteur, em
1860, dois anos após a publicação de "A Gênese", provou estarem essas
teorias em desacordo com a Ciência.
Quanto
ao segundo erro menor (sempre lembrando que o “menor” é por que não compõe o
corpo de doutrina) é esta uma questão que tem vindo à baila no movimento
espírita, em função de alguns textos de Allan Kardec acerca da raça negra,
contidos na Revista Espírita (RE) e em Obras Póstumas.
Na
RE de abril de 1862, no texto intitulado “Frenologia Espiritualista e Espírita
_ Perfectibilidade da Raça Negra”, Kardec procura relacionar o Espiritismo com
a Frenologia, segundo uma interpretação espiritualista dessa antiga ciência.
No
tempo do fundador do Espiritismo, a Frenologia era uma ciência que estava em
voga e consistia no estudo das faculdades humanas a partir da configuração
craniana.
Desenvolvida
pelo médico e anatomista alemão Franz Josef Gall (1758-1828), chegou a causar
uma certa polêmica nos meios acadêmicos da época. Apesar dessa ciência ser hoje
totalmente ultrapassada, interessa-nos algumas conclusões do fundador do
Espiritismo.
Nesse
texto, Kardec procura demonstrar que a raça negra é inferior pelo fato dela
abrigar Espíritos imperfeitos, considerando a supremacia do espírito sobre o
corpo. Já os frenologistas, interpretavam essa inferioridade pela ótica do
materialismo, descartando a idéia da alma.
Kardec
traça uma correlação entre o espírito e o corpo, concluindo que a raça negra,
enquanto etnia, jamais atingiria os níveis de perfeição moral das raças
caucásicas. Por sua vez, os Espíritos encarnados na raça negra poderiam chegar,
segundo ele, ao mesmo nível da caucásica, devido à Lei de Progresso.
Pela argumentação de Kardec, nota-se que ele
era adepto do Eurocentrismo, ideologia sectária que predominou no século 19, na
Europa, e que considerava a cultura européia como a mais evoluída. E,
conseqüentemente, numa correlação étnica, a raça branca caucasiana seria a raça
mais evoluída, superior à negra e à amarela.
Essa
colocação torna-se mais evidente na “Teoria da Beleza”, contida em Obras
Póstumas, onde Kardec procura formular uma teoria estética que se
caracterizaria pela configuração de um ideal de beleza em conformidade com a
Lei de Progresso, aplicada no nível da evolução material. Ele se apoia em um
texto de Charles Richard, desconhecido pesquisador inglês, intitulado “As
Revoluções Inevitáveis no Globo e na Humanidade”, que aborda a tese da
perfectibilidade, da evolução formal da raça humana e de sua beleza
fisionômica. Richard cita exemplos comparativos de fisionomias de
personalidades conhecidas da história da humanidade, como Júlio César, Brútus,
Cícero, Lívia, a filha de Agripina, Messalina, etc. e analisa a fealdade do
homem primitivo, até a relativa beleza do homem moderno.
Aproveitando
a contribuição de Richard, Kardec parte do princípio da influência do Espírito
sobre o corpo, influência intelecto-moral, que se expressa no formato da
matéria corporal. Segundo ele, na medida em que o Espírito evolui, a matéria
vai sofrendo as conseqüências dessa evolução, de modo que possa se adaptar e se
adequar, conformando-se ao estágio evolutivo do Espírito encarnado. Daí
Kardec concluir que o ideal de beleza seria o dos Espíritos mais elevados, dos
Espíritos puros.
Quanto
à raça negra _ e é esse o aspecto que nos chama mais a atenção _ Kardec a
considera primitiva, imperfeita, feia e anti-estética. Muito aquém de um ideal
absoluto de beleza.
Na
opinião abalisada do fundador do Espiritismo, sob a ótica da beleza corporal,
os brancos são mais belos e superiores ao negro, cujos “traços grosseiros, os
lábios grossos, acusam a materialidade dos instintos. Podem perfeitamente
exprimir as paixões violentas, mas não se prestariam às nuanças delicadas do
sentimento e à suavidade de um Espírito evoluído.” E conclui: “eis porque
podemos, sem fatuidade, julgarmo-nos mais belos que o negro e o hotentote.”
Bastariam esses dois textos para colocar
Kardec em situação delicada perante o movimento negro. Todavia, ele era um
homem de seu tempo e sujeito também às injunções culturais, ao sistema de
valores de sua época. Cabe lembrar ainda que as teses arianistas do conde
Gobineau, citadas no início, lhe são contemporâneas.
Allan
Kardec tinha posições bem reacionárias em relação à mulher, ao socialismo e no
caso em questão, ao negro, como se pode observar em seus escritos na Revista
Espírita. Todo homem é prisioneiro de sua época, e por mais larga a visão que
possua, sempre pode-se notar elementos datados em suas ações e reflexões. O
fundador do Espiritismo não passou incólume a essa regra. Antes dele, na
França, já havia a Sociedade de Amigos do Negro, sendo o líder revolucionário
Robespierre (1758-1794), seu conterrâneo, um dos expoentes na luta contra o
racismo, a discriminação racial e o tráfico de escravos. Esse aspecto da luta humanista
dos iluministas, assim como determinadas reflexões sobre a questão do racismo _
bem explícitas na obra de Jean Jacques Rousseau _ infelizmente não foram
incorporadas por Kardec, mesmo tendo sido ele muito influenciado pelas teses
iluministas.
Mesmo
partindo de um sentido estético duvidoso, para desembocar numa conclusão ética
da tipologia do negro, enquanto biotipo supostamente inferior ao branco, isso
não significa, de modo algum, que Kardec fosse racista. Isso seria contrário
aos seus princípios éticos e humanistas bem manifestos na sua produção
intelectual.
O
negro do século 19 não é igual ao negro de hoje, pois com o advento da
civilização e da urbanização das cidades, os negros africanos e de outros
países convivem em grupos sociais aptos para a encarnação de Espíritos de maior
porte intelectual, em função das leis de afinidade que regem o processo
palingenésico.
Há
de se considerar ainda que, no século passado, o conhecimento dos europeus
sobre a cultura africana era escasso. Sociedades africanas de características
totêmicas coexistiam nessa época, com culturas alhures bem organizadas, com uma
forma notável de organização estatal, com rei, ministros, militares e
funcionários. O negro não era tão primitivo assim como pensava Allan Kardec.
A
visão kardequiana do negro tem de ser considerada segundo o contexto histórico
em que foi formulada. Seria incorreto, insistimos, sob o ponto de vista
espírita, rotular Allan Kardec de racista, pura e simplesmente. Essa palavra
possui uma carga semântica muito forte, inadequada para definir suas posições.
Seria o mesmo que taxá-lo de machista, devido a suas posições em relação à
mulher ou de direitista e ultra-reacionário, pelas posições contrárias ao
socialismo e ao movimento proletário francês.
Todavia,
não dá para “dourar a pílula” e ser condescendente com o fundador do
Espiritismo. Ele manifestou, explicitamente, um preconceito em relação ao
negro. Longe de ser racista, podemos afirmar que ele foi preconceituoso para
com essa etnia. Mas, por outro lado, não há nenhum indício de que ele tenha
discriminado algum indivíduo ou grupo de origem negra, seja no movimento
espírita ou fora dele.
Há,
é claro, uma certa dificuldade teórica em separar racismo de preconceito racial
e discriminação racial. A princípio, o preconceito e a discriminação raciais
seriam uma decorrência do racismo enquanto ideologia e sistema de pensamento.
No entanto, há de se considerar ainda a brutal diferença entre o comportamento
de um membro da seita racista norte-americana Ku-Klux-Klan e o de um homem
comum debochado que gosta de contar piadas de negro. Um punk skinhead é capaz
de espancar e matar um homem apenas por ser negro ou judeu, enquanto o outro,
em função da cultura de tonalidade racista do qual é subproduto, não passaria
da piadinha jocosa e cheia de preconceito. Apesar da atitude preconceituosa de
Kardec em relação ao negro, fruto do contexto em que viveu, sua obra sai ilesa
de todas as críticas no sentido ético, de discriminação e preconceito a
determinada etnia.
Finalizo
assim, os chamados “erros menores” de Kardec, e esse da “Teoria da Beleza” deu
trabalho para analisar, mas era importante analisá-lo. Os “erros maiores” ou
“Não-verdades”, melhor dizendo, são muito mais culpa dos místicos do que do
próprio Kardec.
Vamos
considerar a palavra “erro” como de duas acepções: a primeira como sendo o “não
acerto” e a segunda como sendo o “erro consciente”. O “não acerto” nasce da
crença num habito, na filosofia e conhecimentos e na cultura de uma época, tida
como certo até então e o “erro consciente” não nasce nem de um habito, nem é
cultural ou filosófico. É chamado consciente por que a pessoa de certa forma
sabe que está errando, pois carece de justificativas para crer que o erro seria
um acerto, quer histórica, quer cultura ou filosoficamente. Ou seja, não se tem
cuidados mínimos necessários para se evitar o erro, no caso uma informação
errada. O único cuidado que se tem no “erro consciente” é ver que ele atenda a
fé de quem o emita e de quem o receberá, não guardando nenhuma preocupação em
que a informação seja verdadeira.
E
Kardec? Ele errou? Em algum ponto? Eu estaria errando se dissesse que Kardec
não errou. Erros do tipo do “não acerto”, pois Kardec também era um homem de
sua época e embora fosse o bom senso encarnado e passasse tudo pelo crivo da
razão, o Codificador tinha como parâmetros a ciência e a cultura de sua época e
convenhamos, não podia ser diferente. A ciência e os próprios hábitos culturais
vão se transformando com os séculos e o próprio Kardec nunca quis que suas
idéias pessoais fossem tomadas como posições doutrinárias e nunca desejou que a
própria doutrina fosse infalível pois Kardec sempre deixou claro que onde
a CIÊNCIA avançar, o Espiritismo deve acompanhar ou seja, se a
ciência provar que o Espiritismo errou em algum ponto, a doutrina se reajustará
para andar lado a lado com a ciência.
Mas,
Kardec errou num ponto. Embora , haja formulado O Livro dos Espíritos (em sua
forma didática), às vezes, ele não dizia a coisa com clareza, deixava obscuro,
mas com um certo ar de “religião” que, embora Kardec haja tacitamente falado
que o espiritismo não era religião (no sentido de cultos e rituais) e sim no
sentido filosófico (que muita gente até hoje não entendeu que é no sentido de laço entre as pessoas,
muitos espíritas endeusam Kardec tal qual outros endeusam Chico Xavier.
Para
ser mais claro, onde Kardec não foi
claro e paira uma sombra? Em Jesus. Ou melhor, no Espírito de Verdade. Afinal,
Kardec nunca afirmou que Jesus era o Espírito de Verdade e os espíritas,
alguns, dizem que era e não poderia deixar de ser.
Parece-me
que a posição de achar que era não é a questão, pois nos leva a crer que se
Jesus não for o Espírito de Verdade – questão que alguns tem como capital – o
edifício espírita desmoronaria e não seriam mais espíritas. Se for essa mesma a
posição inarredável dos que crêem firmemente que Jesus haja sido o Espírito da Verdade,
isso nos parece, embora respeitável seja a crença, uma crença baseada em
atavismos religiosistas, dos quais algumas pessoas, mesmos as mais
esclarecidas, ainda não conseguiram se desvencilhar. Minha posição sobre o tema
parece já ter sido exposta, mesmo sem eu ter afirmado ou negado, apenas pela
minha exposição inicial sobre o tema. Embora eu ache que não seja a questão
saber se Jesus era ou não o Espírito da Verdade, a minha opinião é a de que não
era, contrariamente ao que pensam muitos outros companheiros, até por que essa
não é uma questão essencial. Mas, que existe.
Um
argumento que merece observação é o que Sérgio Aleixo utiliza:
“Vemos
que, em termos rigorosamente kardecianos, está dirimida esta dúvida quanto à
individualidade e à identidade do Espírito de Verdade. Ele é único! Ele é
Jesus! A menos que não tenhamos motivos para confiar em Kardec e nos espíritos
da codificação.”
Tal
postura, embora nos caiba respeitar – e respeitar é diferente de concordar,
pois podemos discordar respeitosamente (e olhe que eu considero Sérgio Aleixo
uma da maiores mentes espíritas da atualidade) – nos parece uma obediência cega
a Kardec, do mesmo modo que outros espíritas seguem cegamente o que Chico
Xavier dizia ou escrevia. E o que Kardec pregava era o uso da razão e bom
senso em tudo, inclusive nele mesmo, pois disse:
“Se
tenho razão, todos acabarão por pensar como eu; se estou em erro, acabarei por
pensar como os outros”.
E
não custa lembrar que não ter motivos para confiar de Kardec não é a mesma
coisa que ter razões para desconfiar de Kardec, pois na primeira está implícita
uma confiança cega, do tipo “eles NUNCA erram” e na segunda, estaria entendido
como “ele SEMPRE erra, pois já peguei vários erros dele”, mas fico com a opção
da razão e bom senso que até Kardec já errou e os espíritos da Codificação já
admitiram que mesmo para eles há coisas não reveladas. Ou teríamos motivos para
confiar em Kardec no caso defendido por ele da geração espontânea ou na
perfectibilidade da raça negra, teorias de uma época dele. E por que teríamos
razão para confiar nele só por que ele (não) disse que Jesus era o Espírito da
Verdade? Apenas por que enxergamos na (não) confirmação de Kardec o que queríamos
enxergar e satisfaria o nosso resquício de atavismo religioso.
Outra
coisa que os espíritas esquecem, é a de que não há médiuns perfeitos. Alguns se
lembram dessa máxima para criticar Chico Xavier dizendo que ele não era
perfeito como médium e podia ser enganado pelos espíritos. Afirmação correta,
mas pensemos: as irmãs Baudin; Ermance Dufaux e Ruth Japhet, as que Kardec
utilizou, eram médiuns perfeitas? Se não há médiuns perfeitos, está respondida
a questão.
Entendamos:
como sabemos a Doutrina Espírita foi codificada por um ocidental, encarnado num
país ocidental, a França, a partir de comunicações que, em sua imensa maioria
foram de espíritos que viverm, quando encarnados, no Ocidente e nada mais
natural que o arcabouço psicológico de todos eles, espíritos e codificador,
fosse pautado em bases cristãs, daí elegerem o cristianismo como base da moral
espírita e Jesus como o guia e modelo e Kardec lançasse o Evangelho Segundo o
Espiritismo, mas...
Imaginemos
que a Doutrina espírita houvesse sido codificada não na França e sim em um país
muçulmano, por um codificador árabe, talvez um Ali Kadafi, e ditado por
espíritos muçulmanos. Teríamos um Alcorão Segundo o Espiritismo? Seria Allah o
guia e modelo da humanidade?
Ou
se o espiritismo fosse codificado na Índia por um Ananda Kadesh, que seria
orientado por espíritos indianos. Acaso teríamos aum Bagavah Gita Segundo
o Espiritismo e Krishna seria o guia e modelo da humanidade?
Por
que o Espiritismo TEM que ser cristão? Acaso, a moral espírita não é universal?
Por que restringi-la a UM, quando MUITOS em VARIAS épocas e lugares trouxeram
mensagens e ensinamentos morais? Na Índia, poucos ouviram falar de Jesus, nos
paises árabes muitos nem o seguem, então não seria um dificultador para a
divulgação do espiritismo, um “espiritismo cristão”, em vez de um espiritismo
apenas, de caráter universal? Jesus é mais conhecido no Ocidente, então por que
o exclusivismo numa doutrina universal?
"Nao
seriam as citações de Jesus e derivados, feitas no espiritismo, apenas herança
de uma cultura judaico-cristã, caracteristica predominante numa sociedade
ocidental, na qual o espiritismo é mais conhecido (ou é so conhecido no
ocidente), de modo a que nós, ocidentais, pudessemos entender a parte moral da
doutrina?"
A
propósito, Kardec explicita o porquê da expressão “espiritismo cristão” naquele
capítulo I de “A Gênese”. Quando surgem as expressões “espiritismo cristão”,
“evangélico”, devemos entende-las de
modo justo, para não incidir em enganos, pois o espiritismo não é um
descendente direto do cristianismo, do Novo Testamento, como são as seitas e
igrejas evangélicas.
Sempre
bom clarear que o vocábulo “cristão/cristã” está sujeito a certas confusões,
pois há que distinguir quando ele se refere o que é relativo ao Cristo, e
quando a relação é com o cristianismo, coisas bem diferentes.
Não
se pode dizer impunemente palavras com sentidos e alcances diferentes:doutrina
de Jesus é uma idéia definida e clara. Mas doutrina jesuítica, relativa a Inácio
de Loiola e à Companhia de Jesus, já é assunto muito distante da primeira
idéia. Quem se aferrasse a palavras, valorizando “jesuítico” como relativo a
Jesus, cairia em um erro muito grande. Sabe-se por aí que certas
adjetivações são muito enganosas.
Espiritismo
é Kardec, é a Codificação. Adjetivando, começa a desmerecer. Enseja isso uma
certa confusão: espiritismo cristão, evangélico, pode levar ao pensamento de
que existem outros espiritismos que não são cristãos nem evangélicos.
Até
mesmo a expressão consagrada “espiritismo kardequiano” pode permitir esse
engano: haveria outro não kardequiano? Essa rotulação, se generalizada,
pode conduzir uma atitude de permissividade e isso não nos interessa; seria uma
semente de divisionismo futuro, como aliás, já se nota.
Porque
Kardec usou aqueles adjetivos – cristão, evangélico – para indicar alguém que
alem de conhecer a doutrina, vive-a sinceramente, introduziu um risco de pensar
que pode haver vários espiritismos, um que é assim e outro que é assado.
Mas
que fique claro que o espiritismo é um só, não há pluralidade deles, e esse que
existe é, sucessivamente, cristão, evangélico, kardequiano e laico, sendo tais
adjetivos cumulativamente pertencentes a uma coisa só.
Outro
ponto obscuro é quanto ao grau de perfectibilidade de Jesus. Uns dizem que é
espírito puro outros afirmam que é espírito superior e se digladiam numa
discussão sem fim, tal como Jesus ser ou não ser o Espírito de Verdade. Inócua,
pois qual a utilidade de saber se ele era superior ou puro?
Mas, vamos a ela, pois estamos aqui para
analisar. Lendo a Escala Espírita, especificamente as questões 111 e 112, de O
Livro dos Espíritos, vem uma reflexão acerca do que esses dois itens dizem em
concomitância com a questão ora apresentada no tópico: Jesus: Espírito Puro ou
Espírito Superior?
Na questão 111 (espíritos superiores) lemos:
"Esses em si reúnem a ciência, a sabedoria
e a bondade. Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma
linguagem invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. Sua
superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas
sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao
homem saber. (...)
Quando,
por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e então nos oferecem o tipo da perfeição a que a Humanidade pode aspirar
neste mundo."
E na questão 112 (puros) lê-se:
"Os Espíritos que a compõem percorreram
todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria.
Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm
mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando
mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis realizam a vida eterna no seio de Deus.
Gozam de inalterável felicidade, porque não se
acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material."
Pois bem, na questao 625, temos que Jesus é o
guia e modelo que Deus enviou a humanidade, o que está de acordo com a questão
111 (espiritos superiores) e a questão 112 deduz-se, que em sendo Jesus um
espírito puro, ele nao reencarnou.
E o comentário de Kardec, bate com o descrito na questão 111:
"Jesus é para o homem tipo de perfeição moral a que pode aspirar a
humanidade na Terra".
Não há dúvida de que Allan Kardec, ao longo de sua obra, produzida quase
integralmente pelos Espíritos Superiores, refere-se a Jesus como Espírito
“Puro”; mas, esta referência indicaria que Kardec e os Espíritos Superiores
consideravam Jesus um Espírito de Pureza ABSOLUTA, correspondente à
PRIMEIRA ORDEM da ESCALA ESPÍRITA?
Para mim, seguindo a lógica, o bom senso e a razão, me baseio na codificação,
nas questões 111 e 112 de O Livro dos Espíritos, que é, por excelência, a obra
básica da doutrina, ao lado de O Livro dos Médiuns, pois a base está naquele.
As demais obras da codificação (O Evangelho Segundo o Espiritismo; o Céu e o
Inferno e A Gênese) eu considero como as verdadeiras obras subsidiárias ou
complementares da doutrina, pois subsidiam e complementam o exposto nas obras
básicas por excelência.
Mas, então por que
mesmo o espiritismo sendo uma doutrina racional e filosófica, os espíritas
carregam em si uma postura de reação “quase” colérica de se voltarem contra os
que questionam Kardec, como se ele fosse um ídolo?
Como disse o João Donha
em seu blog, “(...) apenas o limpam (o movimento espírita) de um excesso de práticas
místicas acrescentadas ao longo do tempo, mas continuam defendendo
religiosamente certas crenças básicas, como a missão divina do espiritismo e a
eficácia de um controle de "ensinos" do qual nem mesmo a aplicação
foi demonstrada historicamente. E reagem a qualquer tentativa de questionamento
ou falseamento, tanto quanto o reagem os religiosos. A única diferença entre os
seguidores da reforma protestantes e certos espíritas auto-denominados
"não religiosos", é que o reformador daqueles não afirmou que estava
fazendo uma "ciência". Na verdade, quem teima em manter o espiritismo
como uma religião, são os que se aferram a uma "Codificação"
transformada em cânone sagrado: inquestionável e irrefutável.”
Ora, alguns espíritas são assim, e nem falo dos místicos ou religiosos,
e sim dos laicos, ortodoxos, pois estes tratam a Kardec como a um profeta que
não erra e a codificação como se fosse uma Bíblia. Tanto Kardec quanto a
codificação devem ser respeitados no seu devido valor e seguidos no que a razão
disser para seguir e não seguir numa fé cega. No que a razão acusar algo fora
do prumo, não sigamos.
Espiritismo é filosofia, é modo de encarar a vida em si, seja ela
material (agora) ou espiritual (futura). Tratemos o espiritismo como um
aprendizado que nos aprimora e se aprimora e não como verdades finais apenas
por que Kardec disse ou a codificação prescreve ou continuaremos a discutir por
quimeras nos grupos de debates espíritas como se participássemos de um quis que
valesse pontos e sairíamos deles magoados se víssemos que nosso ponto de vista
não encontrasse eco na maioria das pessoas. Ou seja, estaremos agindo como
espíritas “ortomísticos”.
Gostei muito do seu texto.
ResponderExcluirPode dizer-me o que é para si o espiritismo?
Outra pergunta: qual a diferença entre o espiritismo praticado pelos seguidores de Kardec e os círculos espíritas noutras partes do Mundo, como em Inglaterra e nos EUA?
Espiritismo para mim é uma filosofia (pois busca respostas para as perguntas QUEM SOU , DE ONDE EU VIM E PARA ONDE VOU), de bases cientificas (no sentido de conhecimento e não de ciência comum) e que a partir de respostas nos permite progredir através da reforma moral.
ExcluirSobre o espiritismo nos EUA e Inglaterra eu não sei muito, mas sei que nos EUA há poucos americanos espíritas, sendo a maioria de brasileiros radicados lá, o mesmo se dando na Inglaterra, e neste países eles são mais espiritualistas do que espíritas.
Sugiro que leia meu outro artigo O Espiritismo "Made In Brazil". Lá falo de alguns países : http://espiritismocomprofundidade.blogspot.com.br/2012/04/o-espiritismo-made-in-brazil.html
'REFORMA", subst. fem.(de reformar [re + formar]), Tornar à forma?
Excluir"Reforma moral"? Isto não estaria mais para a teoria dos anjos decaídos, que um dia tiveram a "FORMA" perfeita da moral e com a "decaída" estão necessitando RE-FORMAR a moral que foi "danificada"?
"Evolução moral" não seria algo mais apropriado, uma vez que EVOLUÍMOS em função da perfectibilidade a que estamos sujeitos? De "simples e ignorantes" à perfeição relativa?
Se estivermos sendo coerente... precisamos tomar mais cuidado com as más influências. De tanto as ouvir, acabamos repetindo sem perceber.