Este
é o capítulo mais dramático da vida de José Herculano Pires e um dos mais
importantes da história do Movimento espírita mundial. O texto é longo, porém pedimos que não o deixem de ler pois verão as armações do Movimento Espírita Brasileiro contra os quais Herculano se levantou e também um dos raros elogios que se pode fazer a Chico Xavier.
A crucificação do Evangelho
Em
1973 o jornalista Paulo Alves Godoy mantinha cargos diretivos na Federação
Espírita do Estado de São Paulo e na União das Sociedades Espíritas de São
Paulo. Ele e o confrade Jamil Nagib Salomão (o qual nessa época dirigia a
importante Área de divulgação da FEESP) foram a Uberaba visitar o médium Chico
Xavier. No decorrer da conversa em meio ao povo o famoso médium dissera,
inadvertidamente, que certas expressões de Allan Kardec contidas no Evangelho
deveriam ser abrandadas, sem que, no entanto, o pensamento do Codificador
sofresse alteração... Na viagem de regresso Jamil Salomão incumbiu Paulo Alves
de Godoy de traduzir O
Evangelho Segundo o Espiritismo, porém substituindo e até mesmo suprimindo
expressões que lhe parecessem agressivas ou inadequadas. Paulo Alves Godoy, por
ingenuidade ou vaidade (note-se que já era autor de livros sobre Jesus e os
evangelhos...) aceitou a tarefa. Quanto a Jamil Salomão, comerciante
experiente, acreditava que a tradução "moderninha" (conforme ele
dizia), por ser novidade e trazer o selo da Federação Espírita do Estado de São
Paulo, retiraria do mercado em curto prazo a tradução de Guillon Ribeiro e a de
Herculano Pires, enchendo, assim os cofres da FEESP...
O
trabalho de lesa-doutrina fora realizado sigilosamente, como que na calada da
noite, por Paulo Alves Godoy, sob o olhar vigilante de espíritos trevosos. Há
de admirar-se o leitor que a diretoria da FEESP aprovasse o plano umbralino,
mas o ambiente estava propício para o delito, porque o ensino e a prática
mediúnica espíritas nessa instituição mesclavam-se ainda ao orientalismo e
esoterismo. A Doutrina Espírita não era estudada diretamente nas obras de Allan
Kardec.
A
tradução sinistra de Paulo Alves Godoy (na verdade, uma montagem baseada em
traduções alheias) foi impressa em julho de 1974 na cidade de Araras. Edição de
trinta mil exemplares! Lançada em outubro juntamente com o Instituto de Difusão
Espírita de Araras, sob a direção de Salvador Gentile, boa parte da edição fora
vendida antecipadamente aos centros espíritas. O confrade Stig Roland Ibsen,
proprietário da Livraria Boa-Nova, em São Paulo, também colaborou, distribuindo
o resto da obra às livrarias. Quando, pois, Jamil Nagib Salomão e Josian Courté
enviaram um exemplar a Herculano Pires, já o evangelho adulterado estava no
mercado.
Grande
foi o impacto sofrido pelo mestre ao examinar a tradução. Jorge Rizzini
visitou-o no dia seguinte. Herculano Pires apresentava palidez acentuada. Foi
com amargura que disse:
– Já
viu o que fizeram n’O Evangelho Segundo o Espiritismo? É inacreditável.
Paulo Alves Godoy adulterou-o. Edição FEESP.
– E
Carlos Jordão da Silva e Luiz Monteiro de Barros? O presidente da federação e o
vice concordaram?
–
Concordaram. E pareciam espíritas convictos!
E
Herculano Pires contou que Luiz Monteiro de Barros o visitava com assiduidade e
que, certa vez, ao conversar sobre Jesus e os textos evangélicos, fora tomado
por intensa emoção e confessou, quase em lágrimas, ter certeza de que em uma de
suas vidas anteriores adulterara o evangelho.
– O
passado agora falou mais alto e eles, juntamente com Paulo Alves Godoy, não
resistiram às vozes da treva – concluiu Herculano.
– E
o que você pretende fazer?
"Conforme as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia
e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um homem caia do que muitos
sejam enganados e se tornem suas vítimas."
E
respondeu:
–
Alertar o movimento espírita de norte a sul! Infelizmente o nome da federação
será citado, embora a instituição não tenha culpa da irresponsabilidade de seus
atuais diretores.
O
mestre estava indignado, pois adulterar as obras de Kardec e dá-las ao povo é
pior do que queimá-las, como fez o bispo de Barcelona.
A luta em defesa do Evangelho seria mais difícil
de ser vencida que a das "materializações de Uberaba", porque os
inimigos estavam integrados no movimento espírita. Na verdade, Carlos Jordão da
Silva, Luiz Monteiro de Barros, Jamil Salomão, Paulo Alves Godoy e Josian
Courté sentiam-se acobertados pelo prestígio da então maior instituição
espírita do mundo (considerada "reduto dos kardecistas") e não
acreditavam que Herculano Pires ousasse vir a público denunciar o crime de
lesa-doutrina por eles praticado.
Fatal
engano o desses confrades.
"É inacreditável – escreveu o mestre – que a
adulteração tenha partido de onde partiu. Mas a edição aí está, na própria
livraria da Federação, num lançamento de trinta mil volumes para venda a preços
populares. Com ela, a Federação quebra o clima de respeito pelos textos das
obras básicas do Espiritismo. De agora em diante, os reformadores de Kardec
terão as mãos livres para fazer as alterações com que vêm sonhando há muitos
anos, de forma a adaptar, cada grupo, essas obras à sua maneira particular de
encarar os problemas espíritas. Mais grave se torna o caso diante da ameaça de
lançamento de toda a Codificação em novas traduções por esse mesmo
processo."
E
após mostrar exemplos da adulteração espalhados por todo o livro, escreve o
mestre com o necessário vigor:
"Ninguém, sob nenhum pretexto, tem o direito de fazer
adulterações nos textos de Kardec ou de qualquer autor de obras doutrinárias ou
não. Quando se trata de obras básicas de qualquer doutrina, essa prática é
considerada criminosa. E o crime é tanto mais grave quando praticado em obras
de autor já falecido e cujos direitos autorais caíram no domínio público.
Porque a figura jurídica do domínio público resguarda a integridade da obra,
permitindo apenas que ela seja publicada por qualquer editor sem pagamento de
direitos autorais.
No caso das obras de Kardec, que constituem o fundamento
doutrinário do Espiritismo, cabe às instituições espíritas zelar pela sua
integridade, impedir a sua desfiguração por qualquer editor irresponsável. Mas
se as próprias instituições doutrinárias se puserem a desfigurar essas obras, quem
as defenderá, quem resguardará a sua integridade? E que respeito mostramos pela
Doutrina, quando somos os primeiros a deturpar os seus fundamentos?
Não se diga que as alterações são poucas e superficiais.
Damos aqui alguns exemplos, mas esses casos citados se estendem por todo o
volume, constituindo uma adulteração geral da obra. Não são superficiais,
porque afetam a estrutura da obra e o seu próprio sentido, tiram-lhe a
seriedade e a precisão terminológica, envolvendo-a no ridículo e amesquinhando
a posição intelectual de Kardec. Só resta à Federação uma medida urgente:
retirar a edição de circulação e sofrer o prejuízo decorrente da falta de
critério desse lançamento."
E
mais fez o apóstolo de Kardec. Em seu programa de grande audiência "No
Limiar do Amanhã", na Rádio Mulher, denunciou a adulteração enquanto seu
amigo Jorge Rizzini, que desde a primeira hora esteve ao seu lado e que
produzia e apresentava o programa "Um Passo no Além", na Rádio
Boa-Nova e Rádio Clube de Sorocaba, irradiava, semanalmente, uma entrevista de
Herculano Pires sobre o doloroso assunto. Os adulteradores, então,
pressionados, viram-se obrigados a vir a público.
O
presidente da FEESP, Carlos Jordão da Silva, remetera à direção daquelas
emissoras de Rádio esclarecimentos sobre a "nova tradução" do
Evangelho, solicitando fossem divulgados nos programas que a denunciavam. O
documento traz a data de 30 de outubro de 1974 e dele destacamos o primeiro
item, cuja mentira causa pasmo. Ei-la:
"A iniciativa (da FEESP) de editar tradução de sua
responsabilidade deve-se ao fato não de julgar insatisfatórias as traduções
existentes, mas sim à contingência de não poder delas se utilizar sem pagar
direitos. (...)"
Ora,
a verdade cristalina é que a FEESP já havia publicado em julho de 1970 (quatro
anos antes da adulteração) uma edição de O
Evangelho traduzida por
Herculano Pires, cujos direitos ele cedera, gratuitamente, à instituição, que
imprimira doze mil exemplares. Quatro meses depois foi lançada a segunda edição
(mais doze mil exemplares). A terceira edição a FEESP pôs à venda em setembro
de 1971 (quinze mil exemplares), totalizando em tão curto período trinta e nove
mil exemplares!
Posteriormente,
em 1973 (note o leitor: um ano antes da adulteração) Herculano Pires entregara
à Federação Espírita do Estado de São Paulo outro documento sobre os direitos
de edição de suas traduções das obras de Allan Kardec. Tem por título
"Concessão de Direitos Autorais". Nele o mestre escreveu o que
passamos a transcrever:
"Pelo presente documento concedo à Federação Espírita
do Estado de São Paulo o direito de publicar todas as obras de Allan Kardec de
minha tradução, sem qualquer pagamento de direitos autorais. Essas obras são,
até o momento: O Livro dos
Espíritos, O Livro dos
Médiuns, O Evangelho
Segundo o Espiritismo, O
Céu e o Inferno e Obras Póstumas. Não se tratando
de simples tradução, mas de cuidadosa reelaboração dessas obras em nossa
língua, antecedidas de prefácios explicativos e notas e comentários
esclarecedores, constituem-se esses volumes em obras de reelaboração literária,
com texto específico, não podendo ser editada com exclusão de nenhum dos seus
elementos constitutivos.
Tendo concedido a publicação inicial das mesmas, através
dos documentos necessários, às seguintes livrarias: Editora Cultural Espírita
Ltda – EDICEL, e Livraria Allan Kardec Editora – LAKE, bem como à Editora
Calvário (a esta com aprovação das duas anteriores), vai este documento também
assinado pelas referidas concessionárias. (...)"
A
atitude correta a ser tomada por Carlos Jordão da Silva seria, pois, reconhecer
com humildade o delito doutrinário gravíssimo, mas o orgulho ferido prevalecera
e ele preferiu defender-se com a mentira, embora o Evangelho fosse o tema da
polêmica.
Herculano
Pires, ao ler os "esclarecimentos" de Carlos Jordão da Silva,
enviou-lhe uma longa carta datada de 7 de novembro, da qual extraímos os
seguintes tópicos:
"Li, com surpresa e amargor, o pronunciamento dessa
Federação, tentando justificar a adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo,
na infeliz tradução de Paulo Alves Godoy. Considero estranha e desoladora essa
atitude da FEESP, que lança definitivamente o nosso movimento doutrinário no
despenhadeiro das deturpações da obra de Kardec. Alimentei durante anos a
esperança de que a presença de velhos militantes como Carlos Jordão da Silva e Luiz
Monteiro de Barros, na direção dessa casa, conseguisse arredá-la dos caminhos
tortuosos que há muito vinha seguindo em suas práticas internas. Vejo agora que
minha esperança não passava de um sonho, de uma ingênua ilusão. Esse
pronunciamento único e, portanto, decisivo selou a sorte da FEESP: coube-lhe o
papel de iniciadora, no Brasil e no mundo, de um processo imprevisível de
desfiguração dos textos fundamentais da Doutrina Espírita.
Os itens esclarecedores da justificativa revelam o clima de
tensão emocional, de paixão grupal que envolve essa casa, tirando aos seus
dirigentes mais lúcidos a possibilidade de ver os descaminhos a que se lançam.
Consuma-se, assim, a falência das instituições de cúpula da direção do
movimento espírita brasileiro. De um lado temos a FEB dominada pela fascinação
roustainguista e de outro lado a FEESP, que parecia o baluarte sulino da
resistência kardecista, voltada para a triste tarefa de uma suposta atualização
dos textos doutrinários, eufemismo que mal encobre o crime evidente da
adulteração. Ou os diretores da FEESP não conhecem o sentido dessa palavra?
Lamento não ter podido usar uma linguagem untada de
fraternismo adocicado, nem sempre usado na FEESP, mas exigida para os que a ela
se dirigem. Meu temperamento se afina com a linguagem usada nos Evangelhos, nas
epístolas e nos trabalhos sinceros e francos de Kardec. Não vejo outra maneira
de sermos fiéis à verdade. Entre a rudeza agressiva e a voz clara da verdade há
grande distância, que nem todos percebem. Nunca pretendi agredir, mas apenas
dizer o que sinto e penso com as palavras certas, exatas, sem simulações,
segundo aprendi no Espiritismo
Se a FEESP deseja críticas construtivas, penso que as
ofereci com toda a sinceridade, mostrando alguns dos pontos essenciais da adulteração
cometida na tradução em causa. Não me foi possível fazê-las em particular, na
forma de confissão auricular, por dois motivos: 1º) porque sou avesso a esse
tipo de conversação de comadres; 2º) porque tive de enfrentar o fato consumado
de uma edição adulterada já lançada à venda, oferecida ao público. Nessa
condição, não me cabia apenas falar aos dirigentes ou pedir-lhes explicações,
mas também e sobretudo advertir o público, submetido a um processo evidente de
mistificação doutrinária. Cumpri o meu dever de espírita e de jornalista e
escritor espírita.
Não guardo ressentimento contra ninguém. Não sou contra
ninguém. Sou contra a adulteração, contra a linguagem fingida, contra o
espírito conventual, contra a pretensão ingênua dos que se julgam capazes de
corrigir as obras de um mestre da língua, da lógica e do espírito, como Allan
Kardec. Os que puderem me suportar assim, continuarão certamente meus amigos.
Aos que não puderem, e aos que fazem insinuações caluniosas contra mim,
dirigirei pensamentos de amor e compreensão, pois devemos amar a todos e
compreender os que erram."
Como
era de prever-se, Carlos Jordão da Silva e Luiz Monteiro de Barros (Herculano
Pires até então os considerava "grandes e velhos amigos, companheiros de
longos anos de militância espírita") silenciaram e continuaram a apoiar a
divulgação e a venda de O Evangelho adulterado. Os
"esclarecimentos" remetidos a Roberto Montoro, diretor da Rádio
Mulher, foram, no entanto, lidos no programa "No Limiar do Amanhã"
com a aquiescência de Herculano Pires. Mãos de gato, porém, agiam nos estúdios
da Rádio Mulher. O programa mais completo sobre a adulteração havia sido
misteriosamente desgravado. E o segundo, que abordava também com detalhes o
crime de lesa-doutrina, não fora irradiado, dando a impressão aos ouvintes que
Herculano Pires desistira de defender o Evangelho de Jesus. O mestre, então,
não mais pôs os pés naquela Emissora.
"No dia 23 o programa "No Limiar da Manhã"
voltou ao ar de maneira aparentemente normal. Mas todos os ouvintes puderam
sentir que não era mais o mesmo. A voz de Herculano não estava presente.
Copiavam-lhe o sistema, a estrutura, mas logo de início faltava aquela frase
viril que sempre o caracterizou: Um
Desafio no Espaço! Não havia mais desafio. A verdade fora esmagada em favor
das conveniências. E nem um aviso, nem uma nota sobre a ausência do seu
criador, do homem que o lançara e mantivera no ar durante quatro anos
seguidos."
Dias
depois Herculano Pires teria a confirmação de que fora o Grupo Espírita
Emmanuel, da cidade de São Bernardo do Campo, o qual patrocinava simbolicamente
as transmissões, o responsável pelos atos de vandalismo que resultaram no
desfecho dramático do programa "No Limiar do Amanhã". Note o leitor
que o fundador (e líder do referido grupo) era o editor Rolando Ramaciotti, que
Herculano Pires acreditava ser um grande amigo..
.
Alguns
atos de Herculano Pires em defesa da obra de Allan Kardec foram quase
simultâneos, porque a batalha estendera-se a outros Estados brasileiros. O
mestre desdobrava-se apoiado pela Espiritualidade Superior. Escrevera outro
artigo-denúncia e enviara ao jornal "Mundo Espírita" (órgão da
Federação Espírita do Paraná), que o publicou na edição de 31 de dezembro de
1974, além de cartas a confrades que o denegriam instruídos pelos
adulteradores. Antes de transcrevermos algumas dessas cartas, narremos já seu
plano olímpico, epopeico, que pôs fim ao escândalo da adulteração.
São
de Herculano Pires estas palavras:
"Estamos diante desta realidade estarrecedora: o
movimento espírita se dividiu em duas partes, uma que sustenta a verdade e
outra que defende a mentira, a deturpação dos textos. É dura esta realidade,
bem o sabemos, mas é real, concreta, palpável, inegável. Chegamos a um momento
decisivo, a um divisor de águas. Não há mais lugar para acomodações, para
indecisões, para o "jeitinho" dos que preferem as conveniências.
Ficamos com a verdade ou ficamos com a mentira. Uma frase evangélica define
esta situação: Seja o teu
falar sim, sim; não, não; pois o passar disto vem do maligno.
Não podemos recuar, nem calar. O que está em jogo não é a
nossa opinião pessoal ou grupal, a nossa verdade particular. O que está em jogo
é o Espiritismo, a Verdade Universal pregada por Jesus, destruída nas fogueiras
da mentira e ressuscitada pelo Espírito da Verdade."
E
Herculano Pires, o apóstolo de Kardec, expôs a ideia de publicar um jornal em
forma de tabloide, cujo número inicial seria inteiramente dedicado ao problema
da adulteração. A edição de quarenta mil exemplares seria distribuída
gratuitamente pelo Grupo Espírita Cairbar Schutel, que ele presidia e que
funcionava na garagem de seu lar. O jornal, porém, não tinha nome e seu amigo
Jorge Rizzini sugeriu "Mensagem Espírita", mas Herculano Pires
desejava que circulasse também fora do movimento doutrinário, e o título ficou
sendo "Mensagem".
Os
quarenta mil exemplares lançados em dezembro de 1974 circularam na maioria dos
centros espíritas do país e repercutiram intensamente. Assemelhavam-se a
quarenta mil bombas de efeito moral. Na primeira página (impressa em duas
cores) lia-se a seguinte manchete: Adulteradores
da obra de Kardec impedem a divulgação da verdade.
O
jornal em seguida reproduzia o "script" do programa "No Limiar
do Amanhã" escamoteado pelos adulteradores; programa em que o mestre
analisara o pronunciamento da FEESP sobre a maligna "tradução" de
Paulo Alves Godoy. A vitória do Evangelho sobre a mentira parecia desenhar-se
no horizonte, pois pequeno grupo de confrades ilustres passara a apoiar publicamente
a campanha liderada por Herculano Pires: Messias Antônio da Silva, Jorge Borges
de Souza, Aureliano Alves Neto, Alfredo Miguel, Deolindo Amorim, Guido Del
Picchia, Agnelo Morato; e mais um ou dois confrades. Entre os jornais
reticentes, silenciosos, mas coniventes com o crime de lesa-doutrina, temos de
citar, lamentavelmente, o de Freitas Nobre, diretor de "Folha
Espírita". "Esse jornal – escreveu Herculano Pires em
"Vigilância", suplemento de "Mensagem") – segue uma linha
de omissão comprometedora, a ponto de nem sequer ter noticiado que houve uma
adulteração de O Evangelho
Segundo o Espiritismo, em São Paulo."
Outro órgão que envergonhou a imprensa espírita foi o "Jornal Espírita", do novo proprietário da Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), o argentino naturalizado brasileiro Roberto Ferrero. "O "Jornal Espírita", que havia quebrado a tradição kardecista do movimento espírita paulista divulgando, inclusive, o roustainguismo, em seu segundo número – registra Herculano Pires em "Mensagem", edição de agosto de 1975 –, atreveu-se a reproduzir o artigo de fundo de nosso número anterior (artigo estampado em "Mensagem") adulterando-o e apresentando-o como escrito especialmente para as suas páginas. Trata-se do estudo "Chico Xavier, o homem, o médium e o mito", do qual foi simplesmente cortada a parte final que se referia ao pronunciamento decisivo do famoso médium contra a adulteração das obras de Kardec."
Outro órgão que envergonhou a imprensa espírita foi o "Jornal Espírita", do novo proprietário da Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), o argentino naturalizado brasileiro Roberto Ferrero. "O "Jornal Espírita", que havia quebrado a tradição kardecista do movimento espírita paulista divulgando, inclusive, o roustainguismo, em seu segundo número – registra Herculano Pires em "Mensagem", edição de agosto de 1975 –, atreveu-se a reproduzir o artigo de fundo de nosso número anterior (artigo estampado em "Mensagem") adulterando-o e apresentando-o como escrito especialmente para as suas páginas. Trata-se do estudo "Chico Xavier, o homem, o médium e o mito", do qual foi simplesmente cortada a parte final que se referia ao pronunciamento decisivo do famoso médium contra a adulteração das obras de Kardec."
Os
quarenta mil exemplares de "Mensagem", expondo, corajosamente, diante
do movimento espírita brasileiro a nudez da verdade, irritaram os que se
confraternizavam secretamente, inclusive por carta, com os adulteradores.
Leia-se a resposta de Herculano Pires enviada em 15 de abril de 1975 ao
livreiro e editor Stig Roland Ibsen (um dos distribuidores do Evangelho apócrifo
às livrarias), da qual extraímos estes trechos reveladores:
"O que você entende, Stig, por caridade? Cumplicidade
com o erro, com o atrevimento, com a profanação? Onde há caridade: em preservar
para o povo a verdade dos textos ou aprovar a desfiguração da verdade para
satisfazer nossas preferências pessoais? Jesus foi descaridoso quando disse
pesadas palavras aos fariseus para despertar-lhes a consciência vaidosa? Devia
elogiá-los por recusarem a verdade límpida que ele ensinava?
Há coisas, Stig, que se chamam convicção, amor pela
doutrina que se professa, respeito pela III Revelação, reconhecimento de nossa
pequenez diante da grandeza espiritual do Evangelho, de Jesus e do Espírito da
Verdade. Minha consciência não me permite faltar a essas coisas.
(...) É realmente triste, para mim, ter de reconhecer e
precisar dizer de público que Chico revelou desconhecer a extensão de sua
responsabilidade no campo doutrinário. Mas a verdade é essa, pois se o
reconhecesse não teria formado com Paulo e Jamil o trio interessado em
"abrandar" o Evangelho. Chico entrou numa canoa furada por
invigilância, como ele mesmo confessa, e ainda agora, reconhecendo o erro, quer
sustentá-lo para não faltar com a solidariedade aos dois patetas, sem se
lembrar das consequências que o seu endosso a essa miserável trapaça, filha da
ignorância e da vaidade, poderá acarretar para o movimento espírita. É duro
dizer isto, mas é verdade.
O que está em causa, Stig, não é a opinião deste ou
daquele, é a Doutrina, é o Espiritismo!
O precedente da FEESP a coloca abaixo
da própria FEB, abrindo oficialmente as comportas da deturpação de toda a obra
de Kardec. Só posso admitir que isso tenha acontecido, e que vocês persistam na
defesa dessa barbaridade sem limites por motivo de uma fascinação coletiva. Se
qualquer borrabotas se põe a corrigir Kardec, Jesus e o Espírito da Verdade,
com ares de sabichão e santarrão, sob a custódia de uma instituição doutrinária
de renome, onde vamos parar?
(...) Tudo eu podia esperar do nosso pobre movimento
espírita, menos essa burrice desmedida, essa besteira colossal, essa prova
esmagadora de que dirigentes espíritas brasileiros não têm o mínimo senso de
suas responsabilidades espirituais nesta hora do mundo. É uma vergonha o que
aconteceu. Só podemos lembrar a advertência de Jesus: "Não atireis pérolas
aos porcos..." Sim, porque os porcos não querem pérolas, querem milho.
Estamos moralmente falidos. E é só, pois abaixo disso nada mais existe."
Não
há como contestar as palavras do apóstolo de Kardec. Além de receber críticas
às vezes ferinas, o mestre foi caluniado por defender publicamente a pureza
ideológica. A propósito, vamos destacar, para a meditação do leitor, trechos de
uma carta de Herculano Pires endereçada em 10 de abril de 1975 a Antônio de
Souza Lucena (autor de livros contendo resumos biográficos em parceria com
Paulo Alves Godoy):
"Surpreendeu-me dolorosamente e chegou mesmo a
causar-me indignação a maneira leviana e caluniosa com que o senhor se referiu
a mim e a Rizzini, em longa e tenebrosa carta que dirigiu a Alfredo Miguel,
dando-lhe ainda a licença de nos transmitir o texto da mesma.
Peço-lhe informar-me, pela volta do correio, quem foi que
lhe deu as informações que tão levianamente transmitiu a outrem, sobre as
minhas atividades espíritas e particularmente a minha posição no caso
vergonhoso da adulteração de O
Evangelho Segundo o Espiritismo. Quem lhe pregou a mentira caluniosa, e
como o fez, de que eu recebia 40 por cento de direitos autorais da minha
tradução (GRATUITAMENTE concedida à LAKE, à Editora Calvário, à EDICEL e... à
Federação Espírita do Estado de são Paulo). Cedi ainda gratuitamente a minha
tradução à Editora 3 (leiga) da revista "Planeta", para uma edição de
70 mil exemplares que foi vendida em bancas de todo o Brasil. Divulguei isso
amplamente e ninguém me contestou, porque não há contestação possível. Peço ao
senhor que me indique o caluniador, a fim de tomar minhas providências a
respeito.
Aquilo que o senhor chamou em sua carta de
"sujeira" realmente o era, mas não praticada por mim e sim pelos seus
informantes, aos quais o senhor se juntou na divulgação da calúnia. Felizmente
Alfredo Miguel me conhece e escreveu a Rizzini contando que não pôde responder
a sua carta até aquele momento por ter ficado chocado com as suas "novidades".
O senhor condenou a nossa defesa pública da obra de Kardec.
Informo-lhe que não sou e nunca fui homem de sacristia e confessionário, não
gosto de conversas de comadre em assuntos de interesse público e estou sempre
disposto a levar nossos problemas ao conhecimento do público. O Espiritismo não
é igreja nem ordem oculta, é doutrina aberta, porque só lhe interessa a
verdade. Não temos o direito de esconder do público a nossa doutrina e muito
menos as deturpações que dela fazem. Não queremos enganar o público e nem
deixar que o enganem. Lutamos pela verdade e por isso lutamos às claras. Não
entendo Espiritismo de portas e janelas fechadas.
Se não fosse a nossa reação pública e enérgica, a
adulteração já teria atingido as demais obras de Kardec. Paulo Godoy já se
vangloriava de estar adulterando O
Livro dos Espíritos para
lançamento urgente. Nossa reação despertou o Brasil e fez recuar os
adulteradores. O Espiritismo precisa de espíritos livres e corajosos para
difundi-lo e defendê-lo de cabeça erguida. Posso fazê-lo, graças a Deus, porque
em meus quarenta anos de atividade doutrinária nada pratiquei que me
envergonhe. A prova disso está em suas mãos. A FEESP e sua equipe de
adulteradores não acharam nada de que me acusar. Tiveram de mentir e caluniar.
É pena que o senhor se tenha deixado levar nessa onda de sujeira moral. Aceito
o seu envolvimento como o produto de invigilância e não o quero mal por isso.
Mas não posso deixar que os caluniadores continuem a sua semeadura oculta,
através de cartas e outros expedientes dessa espécie. Por isso lhe peço que me
diga quem e como lhe forneceu esses dados mentirosos. Quero ver se esse alguém
sustenta o meu olhar quando eu o interpelar a respeito.
O medo do público é típico dos que pretendem iludir e
trapacear. Nós, espíritas, não devemos temer o público. Nosso dever é
esclarecer e orientar, mesmo que os adversários nos chamem de cachorros. Eles
temem o debate público porque sabem que sairiam prejudicados de uma luta aberta
e sincera. Nós não temos o que temer. Nossa batalha está chegando ao fim e nem
eu nem Rizzini, nem os demais que nos acompanharam por todo o país, nenhum de
nós saiu envergonhado da luta. Pelo contrário, saímos vitoriosos e
engrandecidos em nossa pequenez de lutadores da verdade. E o que é mais importante:
a Doutrina saiu ilesa e Kardec foi desafrontado.
Não estamos no Céu, meu caro Sr. Lucena, e não somos anjos.
Estamos na Terra, mundo de provas e expiações, e precisamos seguir o exemplo de
Jesus, usando chicote contra os vendilhões do Templo e debatendo em público os
problemas espirituais com os fariseus. O Espiritismo não é caixa de segredos
nem vive de conciliábulos. Nossos problemas devem ser tratados à luz do dia,
porque nada temos a esconder de ninguém.
Acho que chega o que já escrevi. Mas envio-lhe ainda alguns
documentos a respeito, para que o digno companheiro Lucena veja a extensão e a
profundidade dessa coisa que, sem conhecimento exato, pensou que devia ficar em
segredo. Verá o companheiro que é preferível lavar a roupa suja em público do
que pactuar com tanta sujeira. Não somos cardeais nem sacerdotes dos antigos
Mistérios para considerar o público como um rebanho de beócios e ignorantes. O
caso da adulteração provou que o debate público favorece a Doutrina, enquanto a
sujeira escondida infecciona os porões. Estamos na era da Verdade e não podemos
enganar o povo. É bom que o povo saiba que não queremos bancar santinhos do
pau-oco, mas exigimos sempre a verdade.
Um abraço. E não me queira mal por dizer a verdade sem
rebuços."
Registremos
agora outro acontecimento insólito. Não obstante os programas de Rádio,
quarenta mil exemplares de "Mensagem", sessenta e quatro mil
folhetos, artigos redigidos pelos confrades mais lúcidos e o clamor dos
dirigentes de centros espíritas rejeitando a adulteração do Evangelho, a USE –
União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo aguardou cinco meses para
definir sua posição sobre o escandaloso caso. Tempo mais que suficiente para
que a FEESP vendesse a edição maligna.
O Conselho Deliberativo Estadual da USE reunira-se na sede da FEESP às nove horas da manhã do dia 9 de março de 1975 e só então a adulteração foi condenada "oficialmente", por unanimidade. Paulo Alves Godoy não compareceu, mas afirmara em uma carta (lida pelo Dr. Luiz Monteiro de Barros na reunião) que o médium Chico Xavier era o autor intelectual da adulteração. Carlos Jordão da Silva, presidente da FEESP, sem constrangimento vangloriou-se em suas explicações de haver sido esgotada a edição do Evangelho apócrifo. A vaidade humana (dizia Herculano Pires, com seu infalível bom-senso) é a casca de banana na calçada da nossa invigilância...
Quanto
a Chico Xavier, "envolvido indebitamente no caso da adulteração por haver
sugerido uma modificação em tradução que lhe parecia embaraçosa, sentiu-se
responsável pelo crime e assumiu de pronto a sua responsabilidade total. Logo
mais, passado o estado emocional que o confundira, ao tomar consciência da
distância que havia entre a sua sugestão e a intenção dos adulteradores, voltou
a público para condenar a desfiguração dos textos kardecianos e retificar a sua
posição". Herculano Pires, então, remeteu ao famoso médium de Uberaba uma
carta, cujos trechos a seguir merecem a meditação dos leitores:
"Meu caro Chico Xavier:
Recebi hoje sua carta e agora mesmo passo a respondê-la,
agradecendo suas expressões de amizade e sua tocante preocupação por meus
sofrimentos e angústias. De todas as minhas lutas, primeiro comigo mesmo,
depois com os outros e por fim com a Doutrina, foi esta a mais dura que tive de
enfrentar, sofrendo traições e calúnias de companheiros que há mais de trinta
anos considerava como amigos sinceros e espíritas convictos.
No caso da obra de Kardec, a deturpação excede os limites
do crime para invadir a área da profanação. Essa obra não é apenas o trabalho
de um homem, mas a Revelação do Espírito da Verdade, no cumprimento de uma
promessa do Cristo que se refere ao restabelecimento e desenvolvimento da obra
de redenção do mundo. (...) Imagine, meu caro Chico, um pintor de paredes corrigindo
um quadro de Michelangelo ou um poetastro qualquer a corrigir Os Lusíadas, de Camões. E tudo
isso ainda seria uma profanação secundária em face à planejada adulteração de
toda a Codificação, segundo o esquema revelado por Paulo Godoy e pela FEESP em
suas lamentáveis "explicações" no volume de O Evangelho adulterado.
Restam-nos os frutos de uma dolorosa experiência em que
tivemos de verificar e sentir a falta de convicção espírita dos líderes do
movimento doutrinário, a falta de caráter de companheiros que considerávamos
positivos e leais, a falta quase total de compreensão do que é o Espiritismo e
do que representa para o mundo a obra de Kardec, a falta de respeito pelos
textos fundamentais da Doutrina, o desprezo pela dignidade humana e o serviço
dos colaboradores desinteressados de várias instituições, a falta de
consideração no plano das amizades pessoais, o baixíssimo nível cultural do
movimento espírita, e o que é pior, a falta de amor pela doutrina.
Nenhuma reunião de cúpula, no Brasil e no mundo, tem
autoridade para modificar palavras e expressões dos Evangelhos de Jesus e das
obras de Kardec. (...) As supostas autoridades de cúpulas revelaram-se
incapazes de enfrentar com dignidade a hora de prova e testemunho. Na hora da
agonia Kardec ficou só, como o Cristo no Calvário. E as trinta moedas do
Sinédrio converteram-se em trinta mil volumes de ridícula adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Se esses volumes tilintassem, como as moedas de Judas, o barulho da traição
ensurdeceria o Brasil.
A última arma que sobrou aos adulteradores foi a calúnia, o
que bastaria para mostrar o mau combate em que se empenharam. (...) Não é com
criaturas ainda tão imaturas que o Espiritismo poderá avançar. Temos de
suportá-los ao nosso lado, tolerá-los com paciência e amor, ajudá-los o quanto
possível, mas não podemos sacrificar o movimento doutrinário às suas vaidosas e
estúpidas pretensões.
Meu caro Chico, não temos o direito de vacilar nesta hora.
Ou lutamos para elevar a precária moral do movimento espírita, agora posta a
nu, ou nos atrelamos ao carro da desmoralização e fazemos como o cego do
Evangelho, conduzindo os outros cegos ao barranco. Não fosse a moral ilibada de
Kardec e a sua firmeza doutrinária e o Espiritismo teria desaparecido do mundo
após o seu desencarne. E é a obra desse homem (que não é dele, como sabemos,
senão em parte) que hoje queremos "atualizar", na base da ignorância
generalizada do nosso meio espírita? Digo-lhe com absoluta convicção que ainda
estamos longe de haver compreendido essa obra, que não pertence à nossa triste
atualidade, mas a um futuro radioso."
E
Chico Xavier, então, propôs ao apóstolo de Kardec que escrevesse um livro
(ambos o assinariam) em cujas páginas seriam incluídas as mensagens e as cartas
que lhe remetera sobre a adulteração. Pois (confessou o famoso psicógrafo)
"... a verdade é que a sua veemência necessária na defesa da obra de Allan
Kardec me fez pensar muito no cuidado que todos nós, os espíritas, devemos ter
na preservação dos textos referidos, sob pena de criarmos dificuldades
irreparáveis para nós mesmos, agora e no futuro" (a carta traz a data de
07-09-1975).
Quando Na Hora do Testemunho veio à luz, Chico Xavier exultou,
conforme se lê em sua carta datada de 27-09-1978:
"Caro amigo Professor Herculano:
Deus nos abençoe.
Perdoe-me se ainda não lhe escrevi agradecendo a remessa do nosso belo livro Na Hora do Testemunho. E digo "belo livro" porque esse volume é o nosso coração unido à obra de Allan Kardec, com os nossos melhores testemunhos de respeito e fidelidade ao grande missionário da Doutrina Espírita.
Agradeço-lhe a remessa, com todo o meu coração. O livro ficou nobre e digno e me regozijo com esse notável lançamento em que tenho a honra de estar ao seu lado, trabalhando, modestamente, embora na demonstração de nosso apreço ao Codificador.
Muito grato.
Desde já, agradeço a atenção que, como sempre, receberei de sua bondade. Com muitas lembranças para D. Virgínia e todos os seus queridos familiares, num grande abraço, sou o seu servidor reconhecido de sempre,
Chico
Xavier."
Vencida
por Herculano Pires a grande batalha contra os adulteradores do Evangelho (e,
pois, em defesa da integridade das demais obras de Allan Kardec), a publicação
do livro Na Hora do Testemunho em 1978, que analisa essa batalha,
foi, a nosso ver, como que uma coroa de louros sobre sua cabeça. No ano
seguinte o mestre desencarnaria.
"O Espiritismo – proclamou ele, advertindo os leitores
do futuro –, é uma questão de bom-senso, como escreveu Kardec, mas as criaturas
insensatas estão por toda parte. Precisamos manter constante vigilância em
nossos estudos para não cairmos nas mistificações que nos levam a deturpar e
aviltar a doutrina. Bastaria um pouco de humildade para vermos, como ensina
Kardec, a ponta da orelha do mistificador, que sempre aparece nos textos
mentirosos ou ilusórios. A mistificação se alimenta da vaidade e pretensão,
desse orgulho infantil a que não escapam nem mesmo pessoas ilustradas. Muitas
vezes, pelo contrário, as pessoas ilustradas não passam de analfabetas
ilustres, mais sujeitas, por sua vaidade pueril, à mistificação, do que as
pessoas humildes mas dotadas de bom-senso. Kardec tem razão ao afirmar que o
bom-senso e a humildade são preservativos da mistificação. Nenhum espírito nos
mistifica se nós mesmos já não estivermos nos mistificando por vontade
própria."
E
ainda mais:
"Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em
mãos de pigmeus. Ele nos oferece uma concepção realista do mundo e uma visão
viril do homem. Arquivemos para sempre as pregações de sacristão, os cursinhos
de miniaturas de anjos, à semelhança das miniaturas japonesas de árvores.
Enfrentemos os problemas doutrinários na perspectiva exata da liberdade e da
responsabilidade de seres imortais. Reconheçamos a fragilidade humana, mas não
nos esqueçamos da força e do poder do espírito encerrado no corpo. Não
encaremos a vida cobertos de cinzas medievais. Não façamos da existência um
muro de lamentações. Somos artesãos, artistas, operários, construtores do mundo
e temos de construí-lo segundo o modelo dos mundos superiores que esplendem nas
constelações. Estudemos a doutrina aprofundando-lhe os princípios. Remontemos o
nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as
dimensões perdidas do seu Evangelho. Esta é a nossa tarefa."
Finalizemos
este capítulo cumprindo o dever moral de acrescentar que o companheiro Paulo
Alves Godoy, que em 1973 se deixara fascinar pelos sicofantas do Além,
recuperara o prestígio que gozara no movimento espírita nacional ao publicar –
rigorosamente de acordo com a verdade espírita – uma série de livros sobre o
Evangelho
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